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A Quaresma e o Silêncio Ritual que Ecoa há Dois Milênios

  • Foto do escritor: Sidney Klock
    Sidney Klock
  • 25 de nov.
  • 2 min de leitura

Por quarenta dias, um véu simbólico cobre o mundo cristão, instaurando uma pausa sagrada. A Quaresma, iniciada na Quarta-feira de Cinzas e encerrada no Domingo de Ramos, não é apenas um rito de penitência: é uma travessia espiritual que reflete o deserto de Jesus e as privações humanas em busca de transcendência. Surgida oficialmente no século IV, no Concílio de Niceia, a Quaresma consolidou-se como um tempo de jejum, oração e caridade, um reencontro com a essência. Mas antes de ser calendário, ela é linguagem: um período em que o silêncio fala mais que os sermões.


Procissão religiosa durante a Quaresma com fiéis carregando velas sob luz baixa, em atmosfera introspectiva
Arte: SK

Sua origem remonta às práticas judaicas de preparação espiritual, adaptadas pela Igreja primitiva como forma de marcar a Páscoa, celebração máxima da fé cristã. A escolha dos quarenta dias não é aleatória: evoca os 40 anos do povo hebreu no deserto, os 40 dias de dilúvio, os 40 dias de Moisés no Sinai e os 40 dias de Jesus no deserto. A Quaresma é, portanto, um tempo liminar, aquele entre o mundo profano e o sagrado. O jejum não é apenas físico, mas existencial: é o desafio de esvaziar-se para escutar o que resiste ao ruído.


Na Idade Média, a Quaresma ganhou contornos visuais e sonoros: sinos silenciados, igrejas despojadas, imagens cobertas por tecidos roxos. O roxo, cor da penitência e da realeza, simboliza o paradoxo entre dor e glória. Foi também nesse período que surgiram os teatros de Paixão e as procissões que, além de celebrações religiosas, constituíram poderosos mecanismos de controle social e expressão popular. Cada cultura cristã imprimiu sua própria estética à Quaresma: na Espanha, as procissões andaluzas; no Brasil, as encenações do Auto da Paixão; em países andinos, sincretismos com ritos indígenas.


Hoje, a Quaresma resiste como ritual de contracultura num mundo acelerado. Convida à desaceleração, ao autocontrole e à introspecção. Enquanto o consumo dita o ritmo do cotidiano, a Quaresma propõe o oposto: a renúncia voluntária. Em tempos de algoritmos e distrações constantes, seu chamado à interioridade adquire nova potência. A Quaresma talvez não seja sobre fé apenas, mas sobre humanidade, limites e silêncio. E num planeta tão barulhento, escutar o silêncio tornou-se um ato revolucionário.


Curiosidade


Você sabia que no século VII, em Roma, o papa visitava uma igreja diferente a cada dia da Quaresma para orações e procissões? Esse costume, chamado de “Estações Quaresmais”, ainda é mantido por alguns fiéis, uma espécie de peregrinação urbana que transforma a cidade inteira num grande deserto espiritual.


Referências


 
 
 

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