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Chegada dos primeiros imigrantes japoneses ao Brasil em 1908

  • Foto do escritor: Sidney Klock
    Sidney Klock
  • 28 de nov.
  • 4 min de leitura

Em 18 de junho de 1908, o vapor Kasato Maru atracou no porto de Santos, trazendo o primeiro grupo oficial de imigrantes japoneses ao Brasil. A bordo estavam 165 famílias — 781 pessoas — que, sem imaginar, inaugurariam a maior comunidade japonesa fora do Japão. Esta jornada marcou o início de uma história de trabalho árduo, adaptação cultural e contribuições decisivas para a formação social e econômica brasileira.


Pintura artística em aquarela mostrando o navio Kasato Maru ancorado no porto de Santos ao amanhecer em 1908, com famílias japonesas desembarcando em trajes da era Meiji, carregando malas de madeira, envoltas por névoa suave e luz dourada, simbolizando esperança, início e intercâmbio cultural entre Japão e Brasil.
Arte: SK

Dois países, necessidades convergentes


Brasil cafeeiro em busca de mão de obra


Desde a Abolição da Escravidão (1888), os fazendeiros paulistas enfrentavam escassez de trabalhadores para as lavouras de café, motor econômico do país. Incentivos governamentais à imigração já atraíam europeus, mas crises políticas e custos mais altos levaram autoridades e proprietários a buscar novas alternativas.


Japão em transformação


No Japão da Era Meiji (1868-1912), a rápida industrialização gerou excedente populacional no campo. Pequenos agricultores, pressionados por impostos e pobreza, viam na emigração uma chance de mudança. Companhias de colonização — com apoio de Tóquio — passaram a intermediar contratos em países distantes.


O Acordo de 1907


Negociações entre o governo paulista, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil e a Kokoku Shokumin Kaisha (Companhia Imperial de Colonização) resultaram no acordo que viabilizou o envio do primeiro contingente. Assim se selou a parceria que desembocaria no Kasato Maru.


A longa viagem do Kasato Maru


Saindo do porto de Kobe em 28 de abril de 1908, o Kasato Maru percorreu cerca de 52 dias até Santos, com escalas em Honolulu, São Francisco e Valparaíso. A bordo, agricultores de 11 províncias japonesas, na maioria jovens casais, aprenderam noções básicas de português, higiene em alto-mar e costumes brasileiros. Muitos acreditavam que enriqueceriam em alguns anos e retornariam à terra natal — um plano que raramente se concretizou.


Primeiros passos em terras brasileiras


Após o desembarque, os imigrantes foram encaminhados à antiga Hospedaria dos Imigrantes do Brás, em São Paulo, para exames médicos, registro e alocação em fazendas de café no interior paulista (Região do Oeste Paulista, Ribeirão Preto, Araraquara, Jaú). Já nas primeiras semanas sentiram o choque de clima, alimentação, idioma e sistema de trabalho — o contrato de parceria não correspondia às expectativas criadas no Japão.


Desafios de adaptação


  • Condições de trabalho: jornadas extensas, remuneração baseada na produção e endividamento frequente tornavam o sonho de “enriquecer rapidamente” um desafio.

  • Barreira linguística: poucos colonos dominavam o português; intérpretes improvisados e dicionários artesanais surgiram para suprir a lacuna.

  • Preconceito e estereótipos: traços físicos, costumes alimentares (miso, peixe seco, arroz) e vestimentas geravam resistência em alguns setores da sociedade brasileira.

  • Saúde: adaptação ao clima tropical implicou surtos de doenças como malária e febre amarela, desconhecidas por muitos japoneses da época.


Formação das colônias e expansão


Percebendo as limitações do sistema de parceria, vários imigrantes se organizaram para comprar terras coletivamente. Nasceram colônias como:

Colônia

Ano de fundação

Localização (SP)

Atividade inicial

Kimitsu

1912

Promissão

Café

Aliança

1913

Mirandópolis

Algodão & arroz

Casp (Cooperativa Agrícola de Cotia)

1929

Cotia

Hortifrutigranjeiros

A posse da terra, combinada a técnicas agrícolas japonesas (irrigação, adubação orgânica, rotação de culturas), elevou a produtividade e diversificou a economia regional. Posteriormente, fluxos migratórios internos levaram famílias nipônicas ao Paraná, Mato Grosso do Sul, Pará e Amazônia, contribuindo para a ocupação de novas fronteiras agrícolas.


Contribuições econômicas


Agricultura


  • Algodão: salvou a indústria têxtil paulista na década de 1930.

  • Sericicultura: produção de seda, impulsionando exportações.

  • Horticultura: abastecimento de verduras frescas em grandes capitais.


Indústria e comércio


Na década de 1950, descendentes (Nikkei) migraram para zonas urbanas, criando redes de comércio atacadista, pequenas indústrias de alimentos e, mais tarde, empresas de tecnologia. O bairro da Liberdade, em São Paulo, transformou-se em epicentro da cultura japonesa, hoje um dos destinos turísticos mais emblemáticos da cidade.


Ciência, arte e esporte

Pesquisadores nipo-brasileiros destacaram-se em agronomia, botânica e medicina. Nas artes, nomes como Tomie Ohtake e Manabu Mabe marcaram a pintura abstrata brasileira; no esporte, Ruy Ohtake (arquitetura) e judocas olímpicos reforçaram a integração.


Integração cultural


A convivência centenária gerou um hibridismo singular:


  • Gastronomia: sushi e tempurá ganharam ingredientes tropicais; a culinária brasileira incorporou missoshiru e moti em festas de fim de ano.

  • Festivais: Tanabata Matsuri (São Paulo), Festival do Japão (Anhembi) e Hanamatsuri (Paraná) celebram o calendário nipônico em solo brasileiro.

  • Língua: o “portunhol japonês” das primeiras gerações evoluiu para comunidades bilíngues. Palavras como arigatô e banzai tornaram-se familiares aos brasileiros.


A comunidade nipo-brasileira hoje


Mais de 2 milhões de pessoas (cerca de 1 % da população) se identificam como japoneses ou descendentes no Brasil, representando a maior diáspora japonesa do mundo. A data de 18 de junho é oficialmente o Dia Nacional da Imigração Japonesa, com celebrações que reforçam a memória dos pioneiros e os laços diplomáticos entre Brasília e Tóquio, cada vez mais sólidos em comércio, tecnologia e intercâmbio acadêmico.


A chegada dos imigrantes japoneses em 1908 não foi apenas um episódio migratório; foi o ponto de partida para uma rica troca cultural que moldou campos, cidades e mentalidades. Do cafeeiro paulista às startups de tecnologia, o legado nipônico se manifesta em trabalho disciplinado, inovação e respeito à tradição. Celebrar essa história é reconhecer como diversidade e acolhimento constroem um Brasil mais plural e próspero.


Curiosidade


O Kasato Maru não nasceu como navio de passageiros: foi um cargueiro russo de 1898, capturado pelo Japão na Guerra Russo-Japonesa (1904-1905), reformado e renomeado antes de virar símbolo da imigração. Depois de servir rotas transpacíficas, foi requisitado pela Marinha Imperial na Segunda Guerra Mundial e afundado em 1945 no Mar do Norte, encerrando uma trajetória tão épica quanto seus passageiros pioneiros.


Referências


  • Biblioteca Nacional do Japão. “The Ship Kasato-maru” ndl.go.jp

  • Museu da Imigração do Estado de São Paulo. “Hospedaria de histórias: o Kasato Maru e a Hospedaria de Imigrantes” museudaimigracao.org.br

  • Harvard University, DRCLAS ReVista. “The Japanese Brazilian Community” revista.drclas.harvard.edu

  • Ministério dos Negócios Estrangeiros do Japão (estatísticas 2023) cnnbrasil.com.br

  • Câmara dos Deputados. “115 anos da imigração japonesa ao Brasil” camara.leg.br

  • FFLCH-USP. “Imigração Japonesa no Brasil” fflch.usp.br

 
 
 

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