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Dia do Imigrante no Brasil: História, Memória e o Legado das Travessias

  • Foto do escritor: Sidney Klock
    Sidney Klock
  • 28 de nov.
  • 4 min de leitura

O Brasil, na alvorada do século XIX, ainda aprendia a se nomear. Em 1808, com a Abertura dos Portos por D. João VI, escancaravam-se também as portas do futuro. O decreto permitia que estrangeiros possuíssem terras — mas era mais que uma medida econômica: era uma convocação para a travessia.


Imigrantes recém-chegados ao Brasil no final do século XIX observam o horizonte tropical no porto de Santos. Homens, mulheres e crianças de diferentes origens — italiana, japonesa, alemã e síria — carregam malas de couro e esperança no olhar, iluminados pela luz suave do amanhecer.
Arte: SK

Enquanto a Europa se desfazia e se refazia entre guerras, fomes e revoluções, olhos desesperados encontravam no sul do mundo uma promessa. Do norte da Itália assolado pela miséria à Alemanha unificada com rigidez, da Ucrânia sob impérios à Polônia fragmentada, multidões se lançaram ao oceano. Chegar ao Brasil era recomeçar — ainda que com medo, ainda que sem idioma.


O fim do tráfico transatlântico em 1850 deixara lavouras sem braços, e as elites brasileiras passaram a buscar imigrantes europeus para suprir esse vácuo. Havia aí um projeto de “branqueamento” — doloroso e racista — que tentava apagar a contribuição africana com a chegada de europeus. Mas a história, como sempre, não obedece a scripts únicos.


Entre 1884 e 1959, quase 5 milhões de estrangeiros chegaram ao Brasil. Cada um deles carregava mais que malas: traziam consigo mundos inteiros. A Hospedaria dos Imigrantes, erguida em 1887 na Mooca, São Paulo, foi seu primeiro abrigo. Ali, esperavam dias até que o destino decidisse: plantações, colônias agrícolas, fábricas. Eram sementes humanas em busca de chão fértil.


Uma Data que Ecoa Todas as Datas


Foi apenas em 1957 que o Estado de São Paulo oficializou, via decreto nº 30.128, o 25 de junho como Dia do Imigrante. A data coincidiu propositalmente com o encerramento das comemorações da imigração japonesa, iniciadas em 18 de junho.


Essa escolha não foi casual — foi simbólica. Representava a tentativa de sintetizar numa única efeméride a pluralidade de etnias que moldaram o Brasil moderno: italianos, japoneses, alemães, sírios, libaneses, poloneses, ucranianos... um dia para todos os povos.


O gesto paulista ressoava com a tradição do Vaticano, que desde 1914 celebrava a migração como drama e esperança da humanidade. Aqui, porém, essa celebração tomava contornos mais encarnados, mais mestiços. Era a aceitação — tardia, mas necessária — de que o Brasil não é um, mas muitos.


Memórias Silenciosas, Heranças Visíveis


A criação da data permitiu que histórias antes relegadas à memória oral ganhassem o espaço público. O antigo prédio da Hospedaria, por exemplo, foi transformado em 1993 no Museu da Imigração, com acervo que hoje ultrapassa 250 mil imagens e documentos disponíveis gratuitamente online.


Mas nem tudo é celebração. O Dia do Imigrante também expõe rachaduras. Durante a Segunda Guerra Mundial, italianos, alemães e japoneses no Brasil sofreram censura, repressão, apagamento. Assim como hoje, migrantes vindos da Venezuela, Haiti ou Bolívia enfrentam preconceito e precariedade.


Entre 2011 e 2020, o número de novos imigrantes no Brasil aumentou 24,4%. Os fluxos continuam, e com eles, os desafios do acolhimento. O Dia do Imigrante deixa, portanto, de ser apenas sobre o passado — ele se torna espelho do presente e bússola para o futuro.


Entre o Brás e Blumenau


Passear pelos bairros paulistas do Brás ou da Liberdade, por Santa Felicidade em Curitiba ou pelas fachadas enxaimel de Blumenau, é atravessar um palimpsesto — camadas sobrepostas de vidas, línguas e afetos.


O Brasil abriga a maior comunidade de descendentes de italianos fora da Itália. Estima-se que entre 23 e 25 milhões de brasileiros tenham alguma ascendência italiana. Mas os números são frios. O que aquece são os gestos: o almoço de domingo, o sotaque herdado, a mão que fala sozinha ao explicar.


Hoje, o Museu da Imigração promove residências artísticas voltadas à população migrante. A arte torna-se território de cura e pertencimento. A filosofia acompanha esse movimento: Stuart Hall nos lembra que toda identidade é, em si, um processo migrante — feita de fluxos, rupturas e reinvenções.


A Imigração que Nos Habita


Se há um lugar onde a memória imigrante se manifesta com amor e persistência, é na culinária. Cada receita trazida na lembrança da avó, cada prato reinventado com ingredientes tropicais, é um manifesto de permanência. Cozinhar é relembrar. Comer, aqui, é também pertencer.


Mas não podemos esquecer as sombras. O projeto de imigração muitas vezes apagou, ou tentou apagar, as contribuições de negros escravizados e dos povos originários. É preciso lembrar que a história do Brasil é feita também de travessias forçadas, de silêncios impostos.


Celebrar o Dia do Imigrante é, portanto, relembrar todas as chegadas — as desejadas e as impostas — e reconhecer que a brasilidade é um estado de entre-lugar. Somos síntese viva do mundo que nos atravessou.


Curiosidade


Você sabia que o Museu da Imigração de São Paulo permite que qualquer pessoa busque seus ancestrais no acervo digital gratuitamente? São milhares de registros, nomes e documentos preservados — como se cada sobrenome fosse um pequeno navio, ainda cruzando oceanos no tempo.


Referências


  • Arquivo Nacional

  • Museu da Imigração do Estado de São Paulo (Acervo digital e Centro de Referência)

  • Fundação Biblioteca Nacional

  • Assembleia Legislativa de São Paulo (Decreto nº 30.128/1957)

 
 
 

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