Dia Mundial dos Oceanos e a Alma Azul da Terra
- Sidney Klock
- 28 de nov.
- 4 min de leitura
Há um som que antecede a linguagem. Um sussurro profundo, que ecoa desde antes do primeiro nome que demos ao mundo: o som das ondas.
No Dia Mundial dos Oceanos, celebrado em 8 de junho, não homenageamos apenas uma massa líquida, mas o que ela representa: a origem da vida, o mistério do desconhecido, a pulsação invisível que conecta continentes, culturas e corações. Os oceanos são mais do que cenário: são personagens vivos da história humana.
Como um grande espelho azul, o mar reflete tanto a vastidão do cosmos quanto a fragilidade da existência. Navegar por sua história é reencontrar a nossa.

Oceanos na História da Terra
Muito antes dos mapas e das bandeiras, os oceanos já escreviam histórias. Surgidos há mais de 4 bilhões de anos, eles formaram o palco primordial onde a vida se ergueu da água, célula por célula, até respirar pela primeira vez fora dela.
A Terra, vista de longe, é um planeta azul. Mais de 70% da superfície é coberta pelos oceanos. Eles regulam o clima, abrigam a maior biodiversidade do planeta e produzem mais da metade do oxigênio que respiramos.
Na história natural e simbólica, o oceano é matriz. Em todas as cosmogonias antigas, há águas primordiais. No Egito, Nun. Na Babilônia, Tiamat. No Havaí, Kanaloa. Na Grécia, Oceano e Tétis. O mar, em sua vastidão, representava o caos original, e também a possibilidade do renascimento.
Civilizações que Navegaram o Infinito
Se os desertos ensinaram o silêncio, os oceanos ensinaram o movimento.
Os povos do mar, fenícios, polinésios, egípcios, vikings, portugueses, entre tantos outros, encontraram nas águas não uma barreira, mas uma ponte. As rotas marítimas conectaram o mundo muito antes da internet: mercadorias, culturas, línguas, mitos e mapas cruzaram oceanos, costurando o planeta com fios líquidos.
Os polinésios, com apenas estrelas e ondas como guias, colonizaram o Pacífico em longas canoas.
Os fenícios criaram rotas comerciais por todo o Mediterrâneo.
Os portugueses e espanhóis, com caravelas, lançaram a Era das Grandes Navegações.
Esses encontros e desencontros marítimos formaram o mundo moderno, não sem feridas, como o tráfico transatlântico, mas também com trocas que moldaram tudo: da culinária às religiões.
Mito, Medo e Mistério
Por séculos, o mar foi visto como o reino do desconhecido, um lugar onde monstros dormiam, sereias seduziam e deuses afundavam ou salvavam navios.
O simbolismo do mar é sempre ambíguo:
Gerador e destruidor
Fonte de cura e espaço de morte
Misterioso, maternal e monstruoso
Na mitologia grega, Poseidon representava esse poder instável. No Japão, Ryūjin, o deus-dragão dos mares, era tanto protetor quanto punidor. E até hoje, o mar é cenário de purificações espirituais, como os rituais de Iemanjá na cultura afro-brasileira.
O mar é o inconsciente coletivo em movimento. Tudo o que esquecemos ou tememos afundar aparece nele, sob forma de lenda ou lembrança.
Oceano em Perigo
Se por milênios o ser humano reverenciou o mar, o século XX trouxe uma virada drástica: passamos a explorá-lo como recurso, não como reverência.
A industrialização, o plástico, o petróleo, as mudanças climáticas e a pesca predatória abriram feridas nos oceanos que talvez levem séculos para cicatrizar:
Estima-se que 8 milhões de toneladas de plástico entrem nos oceanos todos os anos.
A acidificação das águas compromete recifes de corais e espécies marinhas.
Mais de 30% das populações de peixes estão sendo exploradas além dos limites sustentáveis.
O que antes era o som das ondas se mistura hoje com o silêncio da extinção.
O Futuro que Brota da Consciência
Mas há esperança, e ela pulsa como maré cheia.
A celebração do Dia Mundial dos Oceanos, criada oficialmente pela ONU em 2008, tem como objetivo despertar a humanidade para esse elo vital. Não apenas para proteger o mar, mas para lembrar quem somos diante dele.
Preservar os oceanos é preservar a nossa humanidade:
Incentivar economias costeiras sustentáveis
Criar áreas marinhas protegidas
Reduzir drasticamente o consumo de plásticos descartáveis
Resgatar a cultura marítima ancestral que via no oceano um ser vivo, não uma coisa
Em todo o mundo, jovens líderes, cientistas, artistas e comunidades costeiras estão redescobrindo o valor poético e prático do mar. O oceano deixou de ser apenas paisagem: voltou a ser mensagem.
Uma Memória Líquida e Sagrada
O mar não separa. O mar ensina.
É no vaivém das ondas que aprendemos sobre tempo, paciência, permanência e retorno.
Ao celebrar o Dia Mundial dos Oceanos, tocamos algo maior do que o ambiente: tocamos a memória líquida da existência.
Como escreveu Rachel Carson, bióloga e autora de O Mar ao Nosso Redor:
“O mar, uma vez que lança seu feitiço, mantém-nos em sua rede de maravilhas para sempre.”
Curiosidade
Você sabia que o som do oceano, aquele suave ruído das ondas, ajuda a regular o ritmo cardíaco e a reduzir a ansiedade? Estudos em neurociência mostram que o som do mar ativa áreas do cérebro ligadas ao relaxamento e à memória profunda, talvez porque, antes de nascermos, vivemos cercados por um “oceano” interno: o líquido amniótico.
No fundo, todos carregamos um mar dentro de nós.
Referências
United Nations – World Oceans Day: https://www.un.org/en/observances/oceans-day
National Geographic – Ocean Education: https://education.nationalgeographic.org/resource/ocean
UNESCO – Decade of Ocean Science: https://oceandecade.org
Rachel Carson, The Sea Around Us (1951)
Sylvia Earle, The World Is Blue (2009)
IPCC Special Report on the Ocean and Cryosphere (2019)
Smithsonian Ocean Portal: https://ocean.si.edu



Comentários