Dia Nacional do Homem: A História da Masculinidade em Transformação
- Sidney Klock
- 28 de nov.
- 5 min de leitura
Ecos de Uma Jornada Milenar
O Dia Nacional do Homem, celebrado em 15 de julho no Brasil, não é apenas mais uma data no calendário. É um convite poético e profundo para revisitarmos o que significa “ser homem” ao longo dos séculos. Longe de uma celebração vazia, esse dia pode ser entendido como um espelho de nossa herança cultural — refletindo as virtudes, crises, dilemas e possibilidades que a masculinidade encarnou em diferentes tempos e territórios.
Criado em 1992 pela Ordem Nacional dos Escritores, o Dia Nacional do Homem abre espaço para pensar a identidade masculina não como algo fixo, mas como um processo em constante mutação. Ao lado dele, o Dia Internacional do Homem, celebrado em 19 de novembro, surgiu com propósito semelhante: destacar a saúde masculina, a igualdade de gênero e a dignidade humana.
Percorrer os caminhos históricos da masculinidade é entender a pluralidade do masculino — sua beleza, suas contradições e seu potencial de reinvenção.

Antiguidade Clássica: A Forja da Virtus
Grécia e Roma: Onde Nasce o Ideal do Herói
Na Grécia e Roma antigas, a masculinidade era não apenas um atributo biológico, mas um ideal filosófico e cívico. Em Roma, a palavra virtus (de vir, homem) traduzia coragem, honra e excelência pública. Um homem era medido por sua capacidade de liderar, dominar e proteger.
O modelo masculino unia força física à beleza estética e à inteligência — o chamado ideal kalós kagathós. Jovens efebos eram instruídos por cidadãos mais velhos numa educação que mesclava filosofia, retórica, esporte e até relações afetivas, vistas como formadoras do espírito cívico.
Os Arquétipos Eternos
Personagens como Aquiles e Odisseu, dos épicos homéricos, continuam a influenciar nosso imaginário: o primeiro, símbolo da bravura física; o segundo, da inteligência resiliente. Ambos moldaram a noção de que a verdadeira masculinidade nasce da superação, da honra e do autocontrole.
Idade Média: Espada, Fé e Cavalheirismo
A Alma do Cavaleiro
O homem medieval deixou o cidadão grego e o guerreiro romano para trás e se transformou em cavaleiro cristão. A espada era sua extensão, mas seu verdadeiro poder estava na lealdade, na cortesia e na fé. A sagração de um cavaleiro incluía vigília noturna, jejuns e bênçãos — um ritual quase místico de iniciação.
Masculinidade Cristã
Nesse período, o ideal masculino passou a conciliar coragem com compaixão. A força devia ser domada pela humildade. O verdadeiro homem era aquele que protegia os fracos, venerava a mulher e se submetia a Deus — um modelo que influenciaria profundamente a ética ocidental.
Renascimento: O Homem no Centro do Universo
A Redescoberta da Dignidade Masculina
Com o Humanismo, o homem renascentista rompe com o dogma medieval e assume seu lugar como centro da criação. Em sua célebre Oratio de Hominis Dignitate, Pico della Mirandola exaltava a liberdade humana de se transformar por meio da razão, da arte e do conhecimento.
O Corpo como Obra de Arte
Michelangelo esculpiu o David como símbolo da masculinidade renascentista: jovem, belo, decidido. A nudez masculina passou a expressar pureza moral, clareza intelectual e força interior — a encarnação do ideal humano universal.
Iluminismo: Razão, Liberdade e Reforma
O Homem Iluminado
No século das luzes, o homem se redescobriu como agente racional e transformador. Filósofos como Voltaire e Rousseau proclamavam que a masculinidade não estava mais na força bruta, mas na capacidade crítica de reformar o mundo.
O Legado Filosófico
Esse modelo de masculinidade moderna valorizava o espírito questionador, a liberdade de pensamento e a contribuição para o bem comum. Era o nascimento do “homem esclarecido”, figura fundadora das democracias contemporâneas.
Século XIX: O Provedor Industrial e suas Inseguranças
O Homem Burguês
Com a Revolução Industrial, a masculinidade se concentrou na figura do provedor: aquele que sustentava a família, trabalhava arduamente e mantinha a autoridade moral do lar. Essa masculinidade, embora dominante, revelou suas fragilidades diante das pressões sociais da modernidade.
Literatura como Espelho
Autores do período, como Bernardo Guimarães, exploraram os conflitos internos de jovens homens entre o ideal de honra e as novas exigências sociais. A literatura tornou-se campo fértil para investigar as inquietações do masculino.
Século XX: Da Crise à Redefinição
Masculinidade em Colapso
Guerras mundiais, revoluções sociais, feminismo e transformações culturais colocaram em xeque os modelos tradicionais de masculinidade. Surgiram tensões entre a necessidade de manter-se forte e a de adaptar-se às mudanças nos papéis de gênero.
Estudos Masculinos
A partir dos anos 1970, os Men’s Studies passaram a estudar o masculino como construção histórica. O conceito de “masculinidade hegemônica”, de Robert Connell, revelou que existem múltiplas masculinidades — algumas dominantes, outras marginalizadas — e que elas estão em disputa constante.
Século XXI: Vulnerabilidade, Pluralidade e Representação
A Masculinidade Contemporânea
No presente, discute-se a “masculinidade tóxica”: comportamentos baseados na repressão emocional, agressividade e controle. Em contrapartida, cresce a noção de “masculinidade positiva”, que valoriza empatia, escuta, sensibilidade e igualdade de gênero.
Referenciais Midiáticos
Estudos mostram que muitos homens jovens hoje têm personagens fictícios como principais modelos masculinos. Isso revela tanto o poder da cultura pop quanto a urgência de ampliar as representações do que significa “ser homem” no século XXI.
Arte, Filosofia e Arquétipos: O Masculino como Linguagem Estética
A arte, ao longo da história, capturou os gestos, as dores e os sonhos do masculino. De esculturas gregas a pinturas renascentistas, da literatura romântica às instalações contemporâneas, o masculino foi cantado, questionado e reinventado pelas linguagens da estética.
Na filosofia, pensadores como Platão, Kierkegaard e Simone de Beauvoir ajudaram a desconstruir essências fixas. Hoje, entende-se a masculinidade não como destino biológico, mas como projeto existencial — moldado pelas escolhas, pela cultura e pelas relações.
Arquivos, Museus e Memória
A Importância dos Acervos
Instituições como o Museu do Homem do Nordeste e arquivos digitais contemporâneos preservam tanto figuras heroicas quanto experiências comuns. É nesse equilíbrio entre o extraordinário e o cotidiano que se constrói uma memória masculina mais justa e plural.
A Pesquisa Atual
Estudos interdisciplinares vêm ampliando nosso entendimento sobre o masculino. História, sociologia, psicologia e artes se entrelaçam para revelar que a masculinidade é, acima de tudo, uma narrativa em constante reescrita.
O Homem Como Ser em Metamorfose
Há uma curiosidade que atravessa todas as épocas e não pode ser ignorada: o impulso masculino por transcendência. Seja Aquiles buscando glória imortal, seja o homem moderno tentando expressar afeto em silêncio, há sempre um desejo profundo de ir além do imediato.
O Dia Nacional do Homem, nesse sentido, não é apenas uma comemoração — é um símbolo. Ele nos convida a honrar não uma masculinidade idealizada, mas a capacidade do homem de se transformar. Como escreveu o poeta: o homem é um ser de perpétua metamorfose.
Referências
Ordem Nacional dos Escritores (1992)
Teelucksingh, Jerome. Founding the International Men’s Day, 1999.
Connell, R. W. Masculinities. Berkeley: University of California Press, 1995.
Pico della Mirandola. Oratio de Hominis Dignitate.
Museu do Homem do Nordeste. Fundação Joaquim Nabuco.
Carlyle, Thomas. On Heroes, Hero-Worship, and The Heroic in History, 1841.
Guimarães, Bernardo. O Seminarista. 1872.
Paul Klee. Notebooks (The Thinking Eye & The Nature of Nature).
Estudos de gênero e arquivos da Fiocruz e SciELO sobre masculinidade.
Homero. Ilíada e Odisseia.



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