História da Infância: Da Antiguidade à Era Digital – Como Evoluíram os Direitos das Crianças
- Sidney Klock
- 28 de nov.
- 4 min de leitura
Introdução
Em cada época, a forma como tratamos nossas crianças revela quem somos — e quem pretendemos ser. A história da infância não é apenas uma linha do tempo de leis e pedagogias, mas um espelho da civilização. Do Egito Antigo à era digital, a percepção da infância percorreu uma estrada sinuosa: ora marcada por proteção e cuidado, ora ferida pelo trabalho precoce e pela indiferença. Hoje, revisitamos essa trajetória para entender o que significa, afinal, ser criança — e como isso molda nosso futuro coletivo.

Antiguidade: Entre Dádivas Divinas e Poder Paterno
Egito Antigo: Crianças eram vistas como presentes dos deuses. Tinham direitos civis incomuns para a época e eram protegidas do infanticídio — prática frequente em outras culturas. O brincar era parte essencial do crescimento, enquanto a educação, desde cedo, preparava-as para funções na corte, no artesanato ou nas cidades.
Grécia Antiga: Contrastes profundos. A exposição infantil (abandono legal) era aceitável, sobretudo para meninas e crianças com deficiência. Ao mesmo tempo, Atenas celebrava a educação liberal e Esparta endurecia corpos infantis para a guerra. A arte grega, porém, deu passos sensíveis: esculturas passaram a retratar crianças como seres únicos, não adultos em miniatura.
Roma Antiga: O poder paterno (patria potestas) era quase absoluto: o pai decidia tudo, até a vida e a morte dos filhos. Ainda assim, crianças romanas receberam os primeiros ensaios de educação institucional, com tutores e escolas elementares. A mortalidade infantil altíssima moldava rituais de passagem e o vínculo familiar.
Idade Média: Entre Mitos e Realidade
Por muito tempo, acreditou-se que a infância não existia na Idade Média — que crianças eram adultos pequenos, trabalhando e sofrendo igualmente. Mas registros mostram o contrário: havia consciência clara de fases de crescimento. A Igreja, por exemplo, determinava que até 12 (meninas) ou 14 (meninos), a criança era “inocente demais” para pecar.
A educação floresceu em catedrais, mosteiros e universidades. Camponeses pequenos ajudavam nas tarefas do campo, mas o aprendizado de ofícios formais só começava na adolescência. No Império Bizantino e no mundo islâmico, surgiram escolas que acolhiam inclusive meninas.
Renascimento e Idade Moderna: A Criança como Projeto Moral
A invenção da prensa móvel transformou livros em portas para novas infâncias. John Locke cunhou a ideia de que toda criança nasce como uma “tabula rasa” — um papel em branco, moldado pela experiência. Rousseau, por sua vez, via as crianças como “bons selvagens”, naturalmente puras. Seu tratado Émile inspirou gerações a proteger o florescimento natural da curiosidade infantil.
Nesse período, surgem os primeiros livros para crianças, como o pioneiro A Pretty Little Pocket Book (1744), que misturava diversão e moral. A educação humanista de Vittorino da Feltre, na Itália do século XV, provou que escolas poderiam formar mentes livres, não apenas disciplinar corpos.
Revolução Industrial: O Trabalho Rouba a Infância
A modernidade trouxe máquinas — e tragédias. Fábricas abarrotadas de crianças de 4 a 14 anos, espremidas em minas e linhas de montagem por 12, 14 ou até 16 horas diárias. A mortalidade infantil urbana disparou.
O movimento de reforma foi lento, mas firme: o Factory Act de 1833 limitou o trabalho infantil, o Mines Act de 1842 proibiu minas para menores de 10 anos. Paralelamente, o surgimento da educação pública gratuita (Elementary Education Act, 1870) mostrou que um lápis poderia salvar mais infâncias que qualquer lei isolada.
Século XX: O Reconhecimento dos Direitos
Em 1959, a Declaração dos Direitos da Criança da ONU estabeleceu 10 princípios fundamentais: igualdade, proteção, educação. Trinta anos depois, a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989) se tornou o tratado mais ratificado da história.
Nesse período, a psicologia iluminou o entendimento infantil. Jean Piaget e Erik Erikson mapearam estágios de desenvolvimento que orientam escolas e pediatras até hoje. O trabalho infantil, por sua vez, tornou-se crime em grande parte do mundo — embora ainda persista em muitas regiões.
Século XXI: Desafios Digitais e Novos Horizontes
Hoje, 95% dos adolescentes têm acesso à internet — e passam mais de 7 horas por dia online. O cyberbullying, a exposição precoce e a ansiedade climática são os novos demônios da infância.
A estrutura familiar se diversificou: famílias monoparentais, multigeracionais, homoparentais e casais não casados. A pediatria abraça tecnologias como genômica e telemedicina, enquanto a educação luta para se reinventar em uma era de excesso de informação e carência de cuidado.
Reflexão
A forma como vemos e tratamos nossas crianças conta a história de nossa própria humanidade. Cada avanço — da abolição do trabalho infantil à educação universal — foi uma vitória conquistada a duras penas. Mas a estrada é longa: ainda hoje, milhões de crianças trabalham, adoecem e sofrem em silêncio.
Que cada geração se pergunte: como queremos ser lembrados? Como aqueles que protegiam suas crianças — ou que as deixaram para trás?
Curiosidade
Você sabia? A mortalidade infantil foi, durante séculos, o principal fator para definir como as famílias se relacionavam com seus filhos. Na Roma Antiga, apenas metade das crianças chegava aos 5 anos de idade — um número tão brutal que moldou costumes, nomes e até superstições familiares.
Referências
EgyptToday: How were children treated in ancient Egypt?
Smithsonian Journeys: Family Life in Ancient Egypt
History For Kids: Ancient Greek Children
Hood Museum: Coming of Age in Ancient Greece
Wikipedia: History of Education, Child Labour, Compulsory Education
Humanium: Convention on the Rights of the Child
UNICEF: Child Rights Convention
Simply Psychology: Jean Piaget’s Stages of Cognitive Development
Britannica, Medium, Lumen Learning, World Vision, Our World in Data



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