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Luzes do Progresso: Os Primeiros Lampiões a Gás no Rio de Janeiro (1854)

  • Foto do escritor: Sidney Klock
    Sidney Klock
  • 25 de mar.
  • 2 min de leitura

Em 25 de março de 1854, o Rio de Janeiro experimentava o deslumbre de uma nova era: acendiam-se os primeiros lampiões a gás da cidade. Às 18h, a Rua do Ouvidor — o coração pulsante da capital imperial — ganhou uma iluminação que transformava não apenas a noite, mas a percepção urbana e social do espaço. A escuridão que antes abrigava perigos, mistérios e desigualdades começava a ser domada por uma tecnologia que simbolizava o progresso. Era a luz do século XIX se projetando sobre as calçadas coloniais.

Lampiões a gás iluminando a Rua do Ouvidor em 1854, Rio de Janeiro
Arte: SK

O feito não foi espontâneo. A instalação foi conduzida pela empresa The Rio de Janeiro Gas Company, de capital inglês, fruto das concessões do governo imperial a empresas estrangeiras para modernizar a infraestrutura urbana. A escolha da Rua do Ouvidor não era aleatória: era uma via central, onde circulavam elites, comerciantes e intelectuais. Iluminá-la era um gesto simbólico de civilidade e controle social. Os lampiões, embora rústicos, representavam uma nova forma de governar a cidade: por meio da visibilidade. A luz tornava-se vigilância.


A iluminação a gás marcou também o início de uma nova rotina noturna. Cafés, livrarias e teatros passaram a estender seus horários. A noite urbana deixou de ser exclusiva de andarilhos e passou a integrar o cotidiano das elites letradas. A cultura do flâneur — o observador da cidade — encontrava ali seu terreno fértil. O Rio se convertia, aos poucos, em metrópole. Mas é necessário frisar que essa modernização foi desigual: bairros periféricos e favelas continuaram às sombras por décadas, reafirmando o abismo social que ainda marca o espaço urbano brasileiro.


Ao mesmo tempo, o advento da iluminação pública consolidava um novo regime sensorial: a cidade passou a ser vivida pela estética da luz. A arquitetura ganhava relevo noturno, os espaços públicos tornavam-se palcos de sociabilidade. Esse processo influenciou diretamente artistas, cronistas e urbanistas do século XIX, que passaram a representar a cidade como um espetáculo contínuo. A luz a gás era, portanto, mais do que técnica: era linguagem. E, como toda linguagem, expressava uma visão de mundo.


Hoje, enquanto debatemos cidades inteligentes, vigilância digital e justiça urbana, vale lembrar que a luta pela iluminação — literal e simbólica — continua. O marco de 1854 é um ponto de partida para pensar quem tem direito à cidade, quem vive à sombra e quem brilha sob os refletores do progresso. Os lampiões da Ouvidor acenderam um passado que ainda nos ilumina e nos desafia.


💡 Curiosidade


Na noite do primeiro acendimento dos lampiões, foi feita uma cerimônia pública com banda de música e presença de autoridades — um verdadeiro "evento de lançamento" no século XIX. A plateia reagiu com aplausos e perplexidade, muitos nunca tinham visto uma luz que não fosse a do óleo ou da vela.


📚 Referências


  • Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB)

  • Museu da Energia (São Paulo)

  • Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro

  • Ferreira, Jorge. A Cidade Iluminada: Modernidade e Vida Urbana no Rio de Janeiro do Século XIX. UFRJ, 2009.

  • Cadernos do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional)

 
 
 

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