O Dia Nacional do Historiador: Guardiões do Tempo e Artesãos da Memória
- Sidney Klock
- 28 de nov.
- 4 min de leitura
Há datas que não apenas marcam o calendário, mas inscrevem no tecido da memória coletiva a lembrança de quem somos. O 19 de agosto, Dia Nacional do Historiador, é uma dessas efemérides que convidam à reflexão sobre o papel daqueles que, como guardiões do tempo, decifram vestígios e transformam fragmentos do passado em narrativas que iluminam o presente.
Instituído pela Lei nº 12.130, de 17 de dezembro de 2009, este dia transcende a celebração profissional: é uma homenagem à consciência histórica e à sua função poética e filosófica na construção de nossa identidade nacional.

Joaquim Nabuco: símbolo da data e da síntese entre história e literatura
O 19 de agosto não foi escolhido ao acaso. Ele reverencia o nascimento de Joaquim Nabuco (1849), intelectual multifacetado que transitou entre diplomacia, jornalismo, literatura e história. Sua obra-prima, Um Estadista do Império, é um marco da historiografia brasileira, conjugando rigor documental e sensibilidade narrativa.
Nabuco não apenas escreveu a história: ele a viveu, como líder abolicionista e fundador da Academia Brasileira de Letras. Em sua figura, o historiador encontra um espelho, aquele que não dissocia o conhecimento da sensibilidade, o arquivo do afeto, a memória do futuro.
Da Antiguidade à Modernidade: uma linha do tempo da consciência histórica
Heródoto e Tucídides: os primeiros arquitetos da memória
Na Grécia Antiga surgiram os primeiros ecos da história como disciplina. Heródoto, chamado de "pai da história", buscava salvar do esquecimento aquilo que merecia ser recordado, enquanto Tucídides inaugurava uma abordagem metodológica, instalando-se no campo da escrita como sujeito de seu próprio relato.
Idade Média: os cronistas e a preservação do tempo
No medievo, a história foi registrada por cronistas que, entre manuscritos e cartórios, preservavam memórias régias e religiosas. O ato de "memorar o passado" tinha como essência reforçar a legitimidade dos governantes e da fé.
Renascimento: a reinvenção da história
O Renascimento trouxe o humanismo histórico e a revolução da tipografia, que expandiu a preservação da memória e deu nova força às ideias. Não houve ruptura completa com a Idade Média, mas sim uma reinvenção marcada pela retomada dos valores clássicos e pela confiança no conhecimento científico.
Modernidade: a cientifização da disciplina
No século XIX, França e Alemanha foram berços da ciência histórica moderna. Correntes como o historicismo conferiram singularidade à disciplina, transformando a história particular em uma História Universal, capaz de abarcar a humanidade como um todo.
A historiografia brasileira: entre instituições e protagonistas
O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
Fundado em 1838, o IHGB teve como missão criar uma narrativa unificadora para um país jovem, ainda fragmentado política e culturalmente. Inspirado no Institut Historique de Paris, buscou organizar documentos e memórias, forjando uma identidade nacional.
Francisco Adolfo de Varnhagen
Visconde de Porto Seguro, Varnhagen foi responsável pela monumental História Geral do Brasil (1854-1857). Embora limitada por determinismos e visões eurocêntricas, sua obra consolidou a posição do historiador como intérprete da nação.
Capistrano de Abreu
Capistrano representou ruptura e inovação. Com Capítulos de História Colonial (1907), inaugurou uma leitura crítica e multifacetada do Brasil, adicionando novas fontes e conceitos como a “Economia Naturalista”. Sua influência ecoa até hoje.
Guardiões da memória: arquivos, bibliotecas e museus
A memória não vive apenas nos livros, mas nos espaços que a preservam:
Arquivo Nacional (1838): guarda milhões de documentos que, se empilhados, somariam 55 quilômetros de memória.
Biblioteca Nacional Digital: democratiza o acesso ao patrimônio bibliográfico, permitindo que pesquisadores no mundo todo consultem jornais e acervos digitalizados.
Museus e arquivos regionais: como o Museu da República e o Arquivo Histórico do RS, ampliam a diversidade da memória cultural brasileira.
Essas instituições são templos da memória, onde o passado repousa à espera de ser interrogado pelo olhar do presente.
História e literatura: uma fronteira permeável
Michel de Certeau falava da história como “ficção teórica”, reconhecendo que a escrita histórica nunca é neutra: ela carrega escolhas, estilos, silêncios. Da Grécia Antiga ao Brasil moderno, história e literatura caminham juntas, compartilhando a palavra como instrumento criador.
O papel do historiador hoje: entre memória e resistência
A regulamentação da profissão em 2020 trouxe clareza às atribuições do historiador, que hoje vai muito além do magistério: organiza exposições, assessora projetos culturais e dirige pesquisas.
Num mundo onde monumentos desabam, cidades históricas se esvaziam e obras são destruídas, o historiador é resistência cultural. Seu ofício é preservar a memória para que o futuro não seja apenas um eco vazio do esquecimento.
Curiosidade
Se o artista trabalha com cores e sons, o historiador lida com uma matéria paradoxal: o tempo que já não existe, mas insiste em permanecer.
Como cronistas medievais diante dos pergaminhos ou como Capistrano diante dos sertões, o historiador escreve para os que virão. Joaquim Nabuco, em sua ironia poética, lembrava que até os animais julgam nossa imperfeição: “a borboleta nos acha pesados; o pavão, mal vestidos; o rouxinol, roucos; e a águia, rastejantes”. Assim também é a história, um eterno diálogo com o passado que nunca se encerra.
Referências
Arquivo Nacional – Exposições e acervo digital
Biblioteca Nacional Digital – Hemeroteca Digital Brasileira
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – documentos institucionais
Varnhagen, Francisco Adolfo. História Geral do Brasil
Capistrano de Abreu. Capítulos de História Colonial
Certeau, Michel de. Reflexões sobre história e ficção
Assmann, Jan e Aleida. Teoria da memória cultural
Nabuco, Joaquim. Um Estadista do Império



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