🕌 Quando Constantinopla virou Istambul: a longa metamorfose de um império
- Sidney Klock
- 28 de mar.
- 2 min de leitura
Em 28 de março de 1930, duas cidades mudaram de nome, mas o mundo sentiu o peso de séculos se transformando em palavra. Constantinopla passou a se chamar oficialmente Istambul; Angora, agora era Ancara. Essas alterações, decretadas pela recém-formada República da Turquia, pareciam simples formalidades administrativas, mas representavam uma ruptura definitiva com o passado otomano e bizantino. Foi o ponto final de um processo de ressignificação nacional, arquitetado por Mustafa Kemal Atatürk, o líder revolucionário que redesenhou a identidade turca no século XX. Mas para compreender o impacto desses nomes, é preciso retornar muito antes de 1930.

Constantinopla foi fundada em 330 d.C. como a Nova Roma do imperador Constantino I. Logo superou sua precursora em importância simbólica e estratégica. Situada entre a Europa e a Ásia, foi o coração do Império Bizantino por mais de mil anos. Suas muralhas resistiram a ataques bárbaros, cruzadas e fomes. No entanto, em 1453, caiu diante de Mehmed II, o Conquistador, e tornou-se a nova capital do Império Otomano. Com a ascensão do Islã, Santa Sofia virou mesquita, e a cidade entrou em uma nova era como centro do poder muçulmano até o século XX.
Já Angora era uma cidade secundária, conhecida por suas cabras de lã fina, até se tornar o quartel-general da resistência turca durante a Primeira Guerra Mundial. Ancara foi escolhida como a nova capital da república em 1923, em um gesto simbólico e estratégico. Ao abandonar Constantinopla — símbolo de impérios e tradições milenares — Atatürk apontava para um novo futuro: secular, nacionalista e ocidentalizado. A renomeação de 1930 foi o selo oficial de uma transição ideológica, não apenas geográfica. Istambul representava a cidade moderna, turca, alinhada com o Ocidente. Constantinopla era o império morto.
A escolha do nome Istambul, aliás, não foi arbitrária: deriva do grego "eis tan polin" (para a cidade), uma forma popular usada há séculos pelos habitantes locais. Sua oficialização sinalizava que não havia mais lugar para um nome cristão, imperial e grego em um Estado turco, laico e nacionalista. Foi uma operação de linguagem com efeitos profundos na memória coletiva e na identidade urbana. Com isso, a Turquia apagava os últimos vestígios nominais do Império Bizantino — e, com ele, o elo simbólico entre Europa e Oriente.
Hoje, Istambul ainda é um palimpsesto de civilizações: camadas bizantinas, islâmicas, otomanas e modernas se sobrepõem em suas ruas, mesquitas e palácios. A cidade não pertence apenas à Turquia, mas à humanidade. A mudança de nome em 1930 não apaga sua história, apenas renomeia o eterno: a cidade que foi Roma, foi Constantinopla e continua sendo Istambul — símbolo da transformação contínua entre tradição e reinvenção.
🧩 Curiosidade
Durante a Idade Média, os europeus continuaram chamando Istambul de "Constantinopla" por séculos após a conquista otomana. O nome "Istambul" só se popularizou no Ocidente depois da mudança oficial em 1930 — ou seja, o nome antigo resistiu tanto quanto suas muralhas!
📚 Referências
Mango, Andrew. Atatürk: The Biography of the Founder of Modern Turkey. Overlook Press, 2002.
Necipoğlu, Gülru. Architecture, Ceremonial, and Power: The Topkapi Palace in the Fifteenth and Sixteenth Centuries. MIT Press, 1991.
Republic of Turkey Ministry of Culture and Tourism: www.ktb.gov.tr
UNESCO World Heritage Centre – Historic Areas of Istanbul: whc.unesco.org
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