Quando o Sol foi proibido: O julgamento do heliocentrismo pela Igreja
- Sidney Klock
- 5 de mar.
- 2 min de leitura
Em 1616, a Igreja Católica impôs um veto ao céu. "De revolutionibus orbium coelestium", a obra monumental de Nicolau Copérnico, foi colocada no Index Librorum Prohibitorum, a lista de livros proibidos pela Santa Sé. O motivo? A defesa do modelo heliocêntrico, que contrariava a visão aristotélico-ptolomaica, sustentada há séculos como verdade absoluta. A decisão não foi apenas teológica, mas também política: se a Terra não era o centro do cosmos, tampouco o homem seria o centro da criação. Questionar essa hierarquia cósmica era desafiar a própria estrutura de poder eclesiástica.

O século XVII foi um período de transição entre a escolástica medieval e a revolução científica. Copérnico, um clérigo e matemático polonês, propôs um modelo ousado em 1543: a Terra girava ao redor do Sol. Essa ideia encontrou apoio em figuras como Johannes Kepler e Galileu Galilei, mas também feroz resistência da Igreja, que via a teoria como herética. Em 1615, o cardeal Roberto Belarmino advertiu Galileu sobre a necessidade de tratar o heliocentrismo apenas como hipótese matemática, sem implicações físicas. No ano seguinte, o decreto oficializou a proibição, exigindo correções no livro de Copérnico e silenciando a defesa pública da teoria.
O embate não era apenas sobre astronomia, mas sobre autoridade. Galileu, convencido de que a observação empírica deveria prevalecer sobre dogmas, acabou sendo julgado e condenado em 1633 por defender o modelo copernicano. Seu "Eppur si muove" ("E, no entanto, ela se move"), mesmo que apócrifo, simboliza a resistência do pensamento científico diante da repressão. Paradoxalmente, a proibição acabou fomentando a difusão clandestina das ideias copernicanas, que ganharam ainda mais força nos círculos intelectuais europeus.
Séculos depois, o tempo provou quem estava certo. Em 1822, a Igreja finalmente aceitou a publicação de obras defendendo o heliocentrismo, e, em 1835, "De revolutionibus" foi removido do Index. Em 1992, João Paulo II reconheceu os erros no julgamento de Galileu, um mea culpa tardio, mas simbólico. Hoje, vivemos em uma era onde a ciência ainda precisa lutar contra dogmas e negacionismos. A história do heliocentrismo nos lembra que a verdade pode ser suprimida por um tempo, mas nunca destruída.
Curiosidade
Embora Copérnico tenha publicado sua teoria em 1543, no mesmo ano de sua morte, ele teria recebido uma cópia de sua obra apenas em seu leito de morte. Diz-se que segurou o livro em suas mãos antes de falecer, sem jamais testemunhar o impacto revolucionário que causaria na ciência.
Referências
KOESTLER, Arthur. The Sleepwalkers: A History of Man’s Changing Vision of the Universe.
GALILEI, Galileo. Dialogue Concerning the Two Chief World Systems.
Documentos do Vaticano sobre o Index Librorum Prohibitorum.
Comments