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A história e a alma por trás do Dia do Gari

  • Foto do escritor: Sidney Klock
    Sidney Klock
  • 16 de mai.
  • 4 min de leitura

I. O ofício invisível que sustenta o visível


Eles começam quando a cidade ainda sonha. Caminham entre sombras, estrelas apagadas e as primeiras promessas do dia. Suas mãos empunham vassouras como cetros humildes, reinando sobre as calçadas esquecidas. São os garis — trabalhadores da limpeza urbana — cujos passos apagam rastros para que os nossos possam prosseguir.


No Brasil, o Dia do Gari, celebrado em 16 de maio, é mais do que uma data: é um convite ao reconhecimento, à gratidão e à reflexão. É a lembrança de que a dignidade de um povo se mede também por como trata os que limpam seus caminhos.


Neste artigo, vamos percorrer os caminhos históricos, simbólicos e sociais dessa profissão essencial, que não apenas limpa as ruas, mas sustenta a saúde, a ordem e a estética das cidades.


Homem negro vestindo uniforme laranja com faixas refletivas varre uma rua de paralelepípedos ao entardecer. A cena tem estilo de pintura clássica, com tons terrosos e dourados. Ao fundo, fachadas antigas e árvores desfocadas compõem uma atmosfera tranquila e nostálgica.
Arte: SK

II. Origem e significado: Por que 16 de maio?


A escolha da data tem raízes no Rio de Janeiro. Em 16 de maio de 1962, foi fundada a Comlurb — Companhia Municipal de Limpeza Urbana, responsável pela reorganização e profissionalização do serviço de limpeza na cidade.


Embora a profissão de gari seja muito mais antiga, essa data se consolidou como símbolo da valorização do trabalho desses profissionais. Em diversas cidades do Brasil, o 16 de maio é o momento oficial de homenagem e celebração.


A palavra “gari” também tem uma origem curiosa e simbólica: ela vem de Pedro Aleixo Gary, empresário francês contratado pela Prefeitura do Rio de Janeiro em 1876 para cuidar da limpeza urbana. Seus funcionários ficaram conhecidos como “garis”, e o nome atravessou décadas, transformando-se num sinônimo do ofício.


III. A história dos que limpam a história


Desde o nascimento das cidades, a necessidade de lidar com os resíduos acompanha o crescimento humano. Na Roma Antiga, já havia trabalhadores encarregados de recolher o lixo, ainda que de maneira rudimentar. Na Idade Média, a sujeira se acumulava pelas vielas, espalhando doenças — e fazendo do “limpar” um ato quase heróico.


No Brasil, a profissionalização da limpeza urbana começou a tomar forma no século XIX, principalmente nas capitais, com o crescimento populacional e a urbanização. O Rio de Janeiro do Império, repleto de cortiços e esgoto a céu aberto, viu surgir os primeiros modelos de coleta organizada.


Mas foi apenas no século XX que o trabalho dos garis ganhou estrutura formal, fardamento, veículos e contratos. Ainda assim, a invisibilidade social persistiu — e persiste. Muitos não veem o gari. Ou só o veem quando a cidade se suja demais.


IV. O símbolo: a vassoura e o uniforme laranja


Poucos objetos carregam tanto simbolismo quanto a vassoura. Em diferentes culturas, ela é associada à purificação, à transição, à ordem. No candomblé, é instrumento de limpeza espiritual. No cotidiano, é o gesto de recomeço — como quem varre o ontem para acolher o hoje.


A vassoura do gari não é só instrumento de trabalho, é símbolo de transformação silenciosa.

O uniforme laranja, por sua vez, é cor de alerta, de fogo, de visibilidade. Ele destaca quem muitas vezes é ignorado. Carrega em si um paradoxo: é chamativo, mas ainda invisível aos olhos da pressa.


Essa estética urbana — vassoura e laranja — compõe um balé diário de suor e resistência, onde cada passo é parte de uma coreografia civilizatória.


V. Os garis e a saúde pública


Além da beleza e da ordem, os garis desempenham papel crucial na saúde das cidades. A coleta adequada de lixo evita a proliferação de vetores de doenças, como ratos e mosquitos. A limpeza das vias públicas reduz o risco de enchentes e acidentes.


Durante a pandemia de Covid-19, o valor desses trabalhadores foi ainda mais evidente. Enquanto o mundo se recolhia, os garis seguiam nas ruas, garantindo a higiene urbana — e, por extensão, a sobrevivência de muitos.


Mesmo assim, os dados apontam que essa é uma profissão marcada pela precariedade:


  • Baixos salários;

  • Jornadas extensas;

  • Risco constante de acidentes e exposição a materiais tóxicos;

  • Desvalorização simbólica.


VI. A arte e a poesia do trabalho invisível


A arte tem feito justiça onde a sociedade falha. Filmes como Estrelas na Terra (2007) e documentários como O Gari (de Maria Augusta Ramos) ajudam a trazer humanidade ao ofício invisibilizado.


Em muitas cidades, projetos de arte urbana pintam os uniformes, transformam carroças em galerias, e criam murais em homenagem a esses trabalhadores. A estética da rua encontra sua nobreza.


A própria presença do gari é uma metáfora: ele limpa o que foi deixado para trás, para que o novo possa nascer. É símbolo da transitoriedade e da permanência. Do que se desfaz e do que se mantém. Um ofício entre o pó e a dignidade.


VII. O futuro que queremos: educação, respeito e política pública


Valorizar o gari é valorizar o humano. E isso passa por ações concretas:


  • Educação desde cedo para o respeito à profissão;

  • Investimento em segurança e equipamentos;

  • Políticas públicas de inclusão e valorização salarial;

  • Participação dos próprios garis na construção das soluções urbanas.


O futuro começa quando reconhecemos a beleza do essencial. Quando olhamos para o gari e enxergamos o cidadão que ele é — com histórias, família, sonhos, nome.


VIII. Encerramento: O som que nos limpa


A cidade acorda. O som da vassoura no asfalto é como um sussurro ancestral. Um canto de limpeza, de começo, de mundo que se refaz.


O Dia do Gari não é apenas para agradecer. É para olhar com novos olhos, para ouvir o que seus passos silenciosos dizem sobre nós. Sobre como lidamos com o que descartamos — e com quem recolhe o que deixamos para trás.


Valorizar o gari é, em última instância, valorizar a si mesmo.


🌱 Curiosidade


Em Salvador, um grupo de garis criou um bloco de carnaval chamado “Gari Folia”. Eles saem pelas ruas cantando, dançando e limpando — celebrando sua profissão com orgulho e cor. É uma prova viva de que a alegria pode andar de mãos dadas com a dignidade. E que até o lixo pode ser parte da festa, quando há consciência, arte e respeito.


📚 Fontes


  • COMLURB - Companhia Municipal de Limpeza Urbana: comlurb.com.br

  • "História da Limpeza Urbana no Brasil", Revista Brasileira de Saneamento, 2015.

  • "Pedro Aleixo Gary e os primórdios da limpeza urbana no Rio de Janeiro", Jornal do Brasil, Arquivo Nacional.

  • IBGE - Perfil dos Trabalhadores da Limpeza Urbana, 2022.

  • Documentário O Gari, direção de Maria Augusta Ramos.

 
 
 

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