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Francisco, o Papa da Misericórdia e das Reformas (Parte 2)

  • Foto do escritor: Sidney Klock
    Sidney Klock
  • 24 de abr.
  • 4 min de leitura

No coração de Roma, onde o mármore é mais antigo que as nações e os corredores cheiram a incenso e poder, ergueu-se uma figura improvável: um homem de batina branca e coração latino, que preferiu as ruas de terra batida à grandiosidade dos salões vaticanos. Papa Francisco, o primeiro jesuíta e o primeiro latino-americano a ocupar o trono de Pedro, não chegou para reinar. Chegou para reformar. Não com martelo ou espada, mas com ternura e escuta. Sua revolução não fez barulho, mas reverberou no silêncio dos hábitos que precisavam mudar.


Papa Francisco, sorridente e sereno, lava cuidadosamente o pé esquerdo de um homem de aparência humilde, em um pátio iluminado pelo sol. Ao redor, pessoas de diferentes idades e etnias observam em silêncio e respeito. A cena, em estilo clássico de pintura a óleo, transmite compaixão, serviço e humanidade.
Arte: SK

Em 2013, Papa Francisco herdava uma instituição ferida. Escândalos sexuais devastavam a credibilidade da Igreja; suspeitas de corrupção pairavam sobre as finanças vaticanas; a Cúria Romana – o corpo burocrático do Vaticano – tornara-se um labirinto opaco e distante da missão pastoral. Ao mesmo tempo, o mundo clamava por espiritualidade com rosto humano, por líderes que servissem mais do que ordenassem. Papa Francisco compreendeu que reformar a Igreja não era apenas questão estrutural, mas existencial: era voltar ao Evangelho com botas nos pés e mãos sujas de compaixão.


Logo em seus primeiros meses, Papa Francisco instituiu o Conselho dos Cardeais, um grupo consultivo que o auxiliaria nas reformas profundas da Cúria. Em 2022, oficializou a nova constituição apostólica Praedicate Evangelium, que reorganizava os dicastérios, promovia a descentralização e permitia que leigos, inclusive mulheres, ocupassem cargos de chefia – uma ruptura histórica com a lógica do clericalismo. Acusado de lentidão, o papa respondeu com lucidez: “Mudar a Cúria é como limpar a Esfinge do Egito com uma escova de dente”. A frase viralizou, mas também revelou o peso das estruturas que precisavam ser transfiguradas.


Papa Francisco jamais se apresentou como reformador institucional puro. Sua teologia era da proximidade. Seus gestos – como lavar os pés de pessoas em situação de vulnerabilidade, ou abraçar pessoas em situação de rua – falavam mais alto que qualquer encíclica. Ainda assim, suas palavras também marcaram época. Em 2015, lançou a Laudato Si’, uma carta encíclica sobre o cuidado da casa comum, ecoando com força entre ambientalistas e cientistas. Anos depois, com Fratelli Tutti, propôs uma ética da fraternidade universal, convidando todos – crentes ou não – a construírem pontes num mundo fraturado.


O modo como liderava causava desconforto em setores conservadores da Igreja. Papa Francisco rejeitava o triunfalismo. Criticava abertamente o clericalismo, a vaidade episcopal e os “cristãos de verniz”. Preferia reuniões sinodais com bispos e leigos reunidos em círculos de escuta à lógica de cúpulas verticais. Seu vocabulário incluía palavras como ternura, periferia, alegria e escândalo evangélico. Suas homilias improvisadas, muitas vezes ditas em espanhol ou italiano coloquial, pareciam mais conversas paternas que discursos dogmáticos. Isso desconcertava os doutos, mas emocionava o povo.


Além da dimensão espiritual, Papa Francisco enfrentou o delicado terreno das finanças da Santa Sé. Criou a Secretaria para a Economia, contratou auditores externos e impôs maior controle ao Banco do Vaticano. Um marco foi a autorização para que o cardeal Angelo Becciu – figura central de escândalos – fosse julgado e condenado. Pela primeira vez, um príncipe da Igreja enfrentava a justiça como qualquer cidadão. Foi um sinal de que, sob Francisco, a transparência não era slogan, mas princípio evangélico. Ainda assim, seus críticos apontam que muitos mecanismos antigos permanecem intocados. O papa, ciente das limitações, seguia insistindo em conversão mais do que em ruptura.


Ao longo de seus anos como sucessor de Pedro, Papa Francisco moldou um novo imaginário de Igreja. Falava-se menos em dogmas e mais em discernimento, menos em poder e mais em serviço, menos em proselitismo e mais em testemunho. Seu rosto cansado, mas sempre atento, tornou-se ícone de um papado que escolheu o caminho estreito, o da misericórdia sem conivência, da profecia sem espetáculo. A Igreja que propunha era menos castelo e mais tenda, onde todos pudessem caber: santos, pecadores, buscadores e céticos.


🌟 Curiosidade


Em 2016, durante uma cerimônia de lava-pés, Papa Francisco quebrou mais uma tradição: lavou os pés de doze pessoas entre elas mulheres, muçulmanos e migrantes — algo inédito até então. Sua explicação foi simples: “Deus serve a todos”. Esse gesto virou manchete no mundo inteiro e resumiu seu papado em três palavras: serviço, inclusão e humildade.


📚 Referências Papa Francisco


  • Arquivos do Vaticano

  • Praedicate Evangelium (Constituição Apostólica – 2022)

  • Laudato Si’ e Fratelli Tutti, encíclicas oficiais

  • Entrevistas ao America Magazine, La Nación, Il Messaggero

  • Time Magazine, edição especial sobre os 10 anos de pontificado

  • Austen Ivereigh, Wounded Shepherd: Pope Francis and His Struggle to Convert the Catholic Church

  • Reportagens de Crux, Reuters e BBC Vatican Report (2013–2025)


⏭️ Amanhã: Parte 3 – O Legado de Francisco no Tempo e na Memória


Na parte final da trilogia, olharemos para o mundo após a morte de Francisco.Como seu legado continua vivo nas ruas, nos corações e nas comunidades?De que forma ele inspirou fiéis e não fiéis?E o que sua lápide silenciosa, com apenas a palavra Franciscus, revela sobre a eternidade de sua mensagem? Amanhã, no Eco Informativo.

 
 
 

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