top of page

Mário Quintana e a Eternidade das Coisas Simples

  • Foto do escritor: Sidney Klock
    Sidney Klock
  • 26 de nov.
  • 4 min de leitura

Atualizado: 26 de nov.

Há poetas que escrevem sobre a vida. Há poetas que escrevem sobre a morte. Mário Quintana escreveu sobre a vida dentro da morte, e a morte dentro da vida.


Nascido em Alegrete, no coração do Rio Grande do Sul, em 1906, ele nunca quis ser monumento. Queria ser esquecimento leve, brisa de manhã, flor que nasce no passeio. "A morte não é nada", dizia, e por isso mesmo é tudo.


Com sua poesia desarmada, Quintana nos ensinou a ver grandeza onde só há miudeza: o som de uma xícara no pires, a velhice de um sapato, o suspiro de um gato que dorme. Era, ao mesmo tempo, menino e ancião, cético e místico, triste e engraçado. Mas acima de tudo: era humano.


A vida e a morte, para Mário, não eram contrárias, eram irmãs. Uma lhe sussurrava a brevidade; a outra, o eterno.


Retrato artístico de Mário Quintana em tons quentes, lendo em ambiente silencioso
Arte: SK

A vida como brincadeira séria

O segredo é não correr atrás das borboletas… É cuidar do jardim para que elas venham até você.

Essa é talvez a frase mais compartilhada de Quintana, embora nem sempre corretamente atribuída. Mesmo que não esteja em seus livros, o espírito é seu. Mário não corria atrás da vida: ele a esperava passar e, com olhos de espanto, fazia dela poesia.

A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.

Essa ideia, de que viver é uma lição ou uma travessura quase escolar, atravessa toda a sua obra. Quintana via o tempo não como inimigo, mas como um menino que desenha com giz no chão da memória.


Ele nos lembrava que a eternidade cabe nos detalhes, e que o presente é o único lugar habitável.


A morte como degrau invisível, por Mário Quintana

Morrer, afinal, é só não ser visto.

A morte nunca foi tabu para Quintana. Pelo contrário: era companheira de chá, personagem de seus poemas e até amiga. Mas não uma amiga sombria, uma que conhece os segredos da transitoriedade e não tem pressa.


Ao escrever sobre a morte, ele desarmava seus medos. Transformava-a em coisa pequena, até doce. Sua morte não era trágica, era silenciosa, serena, como quem vai embora sem fazer barulho.

Quando eu morrer, meus amigos não precisarão vestir luto: basta que façam silêncio por um minuto e contem uma piada bem engraçada.

Mário não acreditava em fim. Acreditava em transformação. Em passagem. Na continuidade da vida pelas palavras.


E talvez por isso ele permaneça tão vivo entre nós.


Entre solidão e eternidade


Apesar da leveza em seus versos, a vida de Quintana foi marcada por profunda solidão. Nunca se casou, não teve filhos e viveu por décadas em hotéis, especialmente no icônico Hotel Majestic, em Porto Alegre, hoje transformado na Casa de Cultura Mário Quintana.

Mas essa solidão não era amarga. Era fértil.


Mário escrevia cartas para si mesmo, lia sem parar, e observava o mundo pelas frestas de um cotidiano quase imóvel.

Sou um homem comum, desses que vivem e morrem sem deixar vestígios.

Nada mais falso. Mário deixou um rastro de palavras que ainda hoje nos acordam.


A poesia como arte de respirar o tempo


Quintana escrevia como quem respira. Sua poesia também respira.


Há nela pausas, brancos, silêncios eloquentes.Tudo o que ele dizia vinha embrulhado em silêncio.

Poeta não é apenas o que escreve. É aquele que sente a poesia, se espanta com as coisas simples e diz verdades que todos sabem, mas ninguém diz.

Em tempos de pressa, reler Mário é um convite à lentidão. Seus poemas são como pedras lisas num riacho: simples por fora, moldadas por anos de correntezas internas.


A poesia de Mário é um tempo sagrado em meio ao tempo comum.


Reflexos quintanianos no mundo moderno


Há algo em Quintana que dialoga com o século XXI de forma inesperada.


Num mundo saturado de imagens, seus poemas nos devolvem a contemplação. Em tempos de urgência, ele ensina o valor do vagar.

O tempo é um ponto de vista. Velho é quem é um dia mais velho que a gente.

Por isso tantos jovens redescobrem sua obra. Suas frases circulam como conselhos de um avô que não impõe, apenas sussurra.


Quintana não grita. Ele ecoa.


Uma vida em forma de poesia


Mário Quintana faleceu em 5 de maio de 1994. Mas sua morte foi apenas uma vírgula.


A Casa de Cultura Mário Quintana, instalada no antigo Hotel Majestic, onde ele morou por mais de 30 anos, é um espaço vivo, onde arte e memória caminham juntas.


Mas seu maior legado não está num prédio. Está na forma como ele nos fez olhar o mundo.


Depois de Mário, aprendemos a ver poesia no trivial, eternidade na folha que cai.


A eternidade mora nas entrelinhas


Mário Quintana não foi poeta do grito, foi poeta do suspiro.


Falou da vida sem grandiloquência. Da morte sem desespero. Fez do cotidiano uma janela para o infinito.

Se as coisas são inatingíveis… ora! Não é motivo para não querê-las… Que tristes os caminhos, se não fora a presença distante das estrelas!

Sua poesia não é de época. É de essência.


Curiosidade


Você sabia que Mário Quintana, poeta brasileiro, foi tradutor de obras de Marcel Proust, Virginia Woolf e Voltaire? Essa vivência com os clássicos internacionais influenciou a delicadeza e a profundidade de sua escrita, sempre simples, mas nunca simplória.


Referências


  • QUINTANA, Mário. Poesia Completa. Editora Nova Aguilar, 2005.

  • SCLIAR, Moacyr. Mário Quintana: o poeta das coisas simples. Revista Cult, 1994.

  • Instituto Mário Quintana. www.institutomarioquintana.rs.gov.br

  • GOLDSCHMIDT, Tiago. Mário Quintana: o eterno inquilino do Hotel Majestic. UFRGS, 2012.

  • Entrevistas e crônicas disponíveis no acervo da Biblioteca Nacional Digital.

  • Portal Itaú Cultural – Enciclopédia. enciclopedia.itaucultural.org.br

 
 
 

Comentários


bottom of page