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Dia do Soldado no Brasil, entre o guerreiro e o pacificador

  • Foto do escritor: Sidney Klock
    Sidney Klock
  • há 6 dias
  • 5 min de leitura

Ao amanhecer de 25 de agosto, os quartéis respiram uma memória que não cabe em paradas nem em trompetes. O Dia do Soldado nasceu para recordar um homem e, por meio dele, um ideal, a disciplina que se curva à justiça, a força que serve à paz, a espada que aprende a poupar. Não é um rito vazio no calendário, é um fio que atravessa séculos, unindo tradições antigas e aspirações contemporâneas de um país que se construiu entre coragem e mediação, entre proteção e pacto civilizatório.

Se esta data tem coração, ele pulsa no nome que a gerou, Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, chamado de O Pacificador. Sua biografia é menos o retrato de um herói isolado e mais a metáfora de uma nação que aprendeu a conter incêndios com água e com palavra, que soube vencer batalhas e, quando necessário, dissolver guerras em tratados.


Oficial imperial minimalista com espada embainhada e ramo de oliveira, símbolo de paz, verde e dourado, romântico.
Arte: SK

Do nascimento do patrono à instituição da data


Caxias nasceu em 25 de agosto de 1803, em meio a uma linhagem de armas e serviço, neto de militar português, filho de brigadeiro do Exército Imperial. A infância, que cheira a couro de sela e papel de ordens do dia, o conduziu cedo à carreira. Ainda menino, foi declarado cadete, estudou no Seminário São Joaquim, hoje Colégio Pedro II, vizinho ao Campo de Santana, lugar que guardaria a memória de seu nome.

A forja se acendeu na mocidade. Aos quinze anos, ingressou na Academia Real Militar, formou-se tenente, integrou o 1º Batalhão de Fuzileiros. Em 1822, no recém-criado Batalhão do Imperador, recebeu das mãos de Dom Pedro a bandeira do novo Império, gesto que não foi só protocolo, foi transmissão de compromisso, foi altar cívico. No ano seguinte, na campanha baiana, consolidou sua reputação e o título que carregaria com orgulho íntimo, Veterano da Independência.

Entre 1825 e 1828, a Guerra da Cisplatina lhe ofereceu o aprendizado do terreno e da geopolítica platina, mais tarde aplicados com maturidade. No Maranhão, diante da Balaiada, emergiu o estrategista que sabia somar vigor e clemência, energia e negociação, o que lhe rendeu o baronato. No Sul, durante a Revolução Farroupilha, cultivou a pacificação com honra para as partes, horizonte de um Estado que prefere a costura à ruptura, coroado pela Paz de Ponche Verde.

Na Guerra do Paraguai, a experiência atingiu a altura do mito. Já sexagenário, Caxias assumiu um exército combalido e o reergueu com disciplina, logística, sanidade e formação. Evitou o ímpeto cego, escolheu o flanco, abriu caminho pelo Chaco, contornou Humaitá, venceu na Dezembrada. Na hora do pânico, avançou à frente do próprio nome, Sigam-me os que forem brasileiros, e, quando Assunção caiu, o Império lhe deu o título de Duque.

Depois, veio o trabalho da memória. Em 1923, instituiu-se a Festa de Caxias, por Aviso nº 443, com espírito de formatura e reverência. Em 1925, por Aviso nº 336, a homenagem se expandiu, a data deixou de ser apenas de um homem e tornou-se o Dia do Soldado. Em 1962, o Decreto nº 51.429 fixou Caxias como patrono e consolidou o 25 de agosto como rito nacional. Foi a passagem do indivíduo ao arquétipo, do exemplo à instituição.


Quando a guerra pede imagens e versos


Em todas as épocas, a figura do soldado escapou das planilhas e alcançou a arte. A Grécia a cantou com hoplitas, teatro e catarse, Roma a organizou com disciplina e ritos de justiça, alimentando a ideia de guerra justa que atravessaria o medievo. Na Idade Média, a cavalaria sacralizou o guerreiro, investindo-o de tutela dos fracos. No Renascimento, a pólvora redefiniu forças, a teoria encontrou a prática em tratados como A Arte da Guerra, e nasceu o perfil do profissional de armas instruído, disciplinado, técnico.

Com as revoluções oitocentistas, explodiu o conceito de nação em armas, e o Romantismo forneceu a moldura sensível, o soldado já não servia a senhores, servia à pátria imaginada, ao comum que dá sentido ao sacrifício. No Brasil, esta estética repercutiu no século XIX, na poesia de Castro Alves e na pintura de Victor Meirelles, que eternizou cenas da Guerra do Paraguai. Arte e farda se tocaram, não por ornamento, mas por pedagogia, para ensinar valores, para fazer memória.

A heráldica militar é outra gramática dessa pedagogia. O brasão do Exército, com sua espada cercada por lâminas, com elipses de verde e amarelo e o Cruzeiro do Sul, narra virtude, proteção e transcendência, repete na cor e na estrela a promessa de orientação. Símbolos não são adereços, são contratos visuais com a história.


O que aprendemos com Caxias e com a data


Primeiro, aprendemos que liderança é presença. Na Dezembrada, na passagem pelo Chaco, no clamor de Itororó, Caxias não delegou a coragem, repartiu-a. Reformou exércitos, elevou padrões sanitários, ajustou comando e instrução, praticou uma estratégia que preferia a inteligência do terreno à vaidade do choque frontal.

Segundo, aprendemos que pacificação exige técnica e moral. Na Balaiada, a combinação de vigor e conversa, de firmeza e clemência, impediu que a ferida se tornasse gangrena. No Sul, o acordo que encerrou uma década de conflito integrou vencidos e preservou dignidades, mostrou que conciliar pode ser também uma forma de vencer, quando se mira a integridade do corpo político.

Terceiro, aprendemos que a força deve ser serva da paz. O próprio Pacificador, em confidência, chamou a guerra de mal necessário, sempre mal. O soldado ideal, neste espelho, não celebra a violência, disciplina-a, não adora a espada, dá-lhe finalidade justa.

Quarto, aprendemos que datas podem educar. A Festa de Caxias, transformada em Dia do Soldado e fixada por decreto, não foi apenas homenagem de calendário, foi uma pedagogia cívica, um convite anual à cultura de serviço e ao juramento interior de quem guarda, com técnica e virtude, o bem comum.


Onde ética, símbolos e arquivos sustentam a memória


A ética militar brasileira se enraíza em três pilares, o dever, o pundonor e o decoro. É uma ética de virtudes, como queria Aristóteles, coragem, prudência, justiça, temperança, e de lei interior, como pediu Kant, agir por máximas que possam ser universais, reconhecer no outro um fim em si. Esta base filosófica não é abstrata, ela estrutura conduta, treinamento e comando.

A cultura também se guarda em documentos, em mapas, em manuscritos, em jornais. O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro preserva o Fundo Duque de Caxias, cartas, avisos, relatórios, peças que permitem ver, sem véus, a tessitura das campanhas e decisões. No Museu Imperial de Petrópolis, um arquivo com mais de sessenta mil documentos ilumina a relação entre poder civil e força armada no oitocentos brasileiro. Na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional, os periódicos militares falam do pensamento castrense ao longo de duas centúrias, doutrina, organização, papel social. Memória é matéria prima de futuro.

Por fim, a própria ideia do soldado como arquétipo circula entre mitos e valores, do hoplita cidadão à legião romana preocupada com justiça ritual, do cavaleiro medieval investido de missão protetora ao profissional renascentista, instruído e disciplinado. O Dia do Soldado, no Brasil, condensa esse arco, afirma que técnica e alma precisam andar juntas.


Curiosidade


Entre tantas honras, uma imagem ficou gravada, a de um jovem tenente de vinte anos que conduziu a bandeira brasileira na entrada triunfal em Salvador, em julho de 1823. O gesto parecia simples, atravessar ruas com um estandarte, no entanto, simbolizou a continuidade entre a Independência e a construção paciente do país, um fio de seda verde e ouro costurando guerra, vitória e trabalho cotidiano.


Referências


  • Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Guia de Fundos, Fundo Duque de Caxias.

  • Museu Imperial de Petrópolis, Arquivo Histórico, acervo da Casa Imperial do Brasil.

  • Biblioteca Nacional, Hemeroteca Digital Brasileira, Periódicos Militares.

  • BNDigital, Dossiê Guerra do Paraguai, Duque de Caxias.

  • Brasiliana Fotográfica, ensaios e documentos iconográficos.

  • Senado Federal, História militar do Brasil, estudos de referência.

  • Bibliografia sobre o Romantismo brasileiro e artes visuais, Castro Alves e Victor Meirelles.

 
 
 

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