Luís Fernando Veríssimo: o cronista que transformou o Brasil em literatura de riso e melancolia
- Sidney Klock
- há 2 minutos
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Na tarde de setembro de 1936, em Porto Alegre, nasceu aquele que viria a se tornar um dos mais finos intérpretes da vida brasileira. Luís Fernando Veríssimo, herdeiro do nome e da sensibilidade de Érico Veríssimo, construiu uma obra em que a ironia se faz bússola, o humor se torna método de conhecimento e a melancolia se revela companheira silenciosa. Hoje, ao nos despedirmos dele, não nos resta apenas a saudade, mas a consciência de que sua literatura permanece como espelho e memória de um país inteiro.
Veríssimo foi mais do que cronista: foi analista, professor e poeta disfarçado de humorista. Sua escrita, aparentemente leve, escondia a densidade de um sociólogo, o lirismo de um poeta e a astúcia de um filósofo cotidiano.

A formação de um olhar
Crescer em uma casa onde os livros respiravam como seres vivos fez toda a diferença. Filho de Érico Veríssimo, Luís Fernando herdou não só o ofício, mas uma visão humanística da literatura como instrumento de compreensão social.
As décadas de 1940 a 1960 foram decisivas. Entre industrialização, urbanização e o prenúncio da ditadura, formava-se o olhar crítico que faria de Veríssimo um dos cronistas mais lúcidos da sociedade brasileira.
O cronista como analista social
Seus textos são um arquivo vivo da mentalidade brasileira. Escondidos sob a capa do humor, revelam estruturas profundas de desigualdade, poder e identidade.
Personagens como o Analista de Bagé são exemplos dessa capacidade de criar espelhos do Brasil. Com ironia gauchesca, Veríssimo falava de identidade regional, mas ao mesmo tempo decifrava dilemas universais.
A poética do humor
O humor de Veríssimo não era ornamento, era método. Sua ironia operava como instrumento de revelação. Ele começava pelo banal: uma fila, um jogo de futebol, uma conversa trivial. Aos poucos, o texto se abria em camadas até revelar o essencial, transformando o riso em reflexão.
Essa técnica da simplicidade que esconde complexidade fez de suas crônicas algo maior que o jornalismo passageiro. Tornaram-se pequenas obras-primas de filosofia cotidiana.
Testemunha de seu tempo
Durante a ditadura, sua escrita precisou se disfarçar. Alegorias e metáforas foram suas armas contra a censura, preservando memórias que poderiam ter sido silenciadas.
Suas crônicas desse período não apenas divertiam: resistiam. No subtexto, Veríssimo registrava as tensões de um Brasil sufocado, criando uma literatura que servia como memória coletiva.
O futebol como metáfora nacional
Poucos escritores compreenderam tão bem o futebol como ele. Para Veríssimo, o campo era microcosmo da sociedade: espaço de injustiças, utopias, autoritarismos e identidades.
Ao escrever sobre o esporte, o cronista mostrava que o jogo era mais que lazer: era metáfora de um país que oscila entre a glória e a tragédia.
A dimensão pedagógica
Sua obra não apenas diverte: educa. Ao falar de política, economia ou sociedade em linguagem simples, Veríssimo transformava leitores comuns em pensadores críticos.
Muitos descobriram o gosto pela leitura através de suas crônicas. Outros descobriram o gosto pela reflexão. Em ambos os casos, sua escrita funcionava como porta de entrada para mundos maiores.
A atualidade de sua obra
Mesmo em 2025, suas palavras ecoam. Questões como corrupção, autoritarismo e desigualdade seguem pulsando em suas páginas.
O que parecia comentário de ocasião se tornou diagnóstico profético. Ler Veríssimo hoje é perceber que o Brasil pouco mudou, mas também é encontrar na ironia uma forma de esperança.
Entre o efêmero e o eterno
Escrever para jornais é escrever para o instante. Mas Veríssimo soube transformar o efêmero em eterno. Suas crônicas sobreviveram ao jornal, ao tempo e às modas, porque extraíam do detalhe cotidiano verdades maiores.
Era mestre em dizer muito com pouco, em deixar no silêncio aquilo que ecoaria por gerações.
O legado: uma escola de ver o Brasil
Mais do que um escritor, Veríssimo deixou um método de observar. Sua influência se espalha em cronistas, humoristas e professores que aprenderam com ele a rir e refletir ao mesmo tempo.
Seus textos nos ensinam a rir de nossas contradições sem perder a capacidade de indignação. Um riso que liberta, mas também educa.
O escriba do riso e da melancolia
Luís Fernando Veríssimo escreveu o Brasil como quem esculpe uma memória coletiva. Seu riso era mais que leveza: era sabedoria. Sua melancolia era mais que tristeza: era lucidez.
Como um Aristófanes brasileiro, deixou-nos a lembrança de que o humor pode ser o mais sério dos instrumentos filosóficos.
Hoje nos despedimos, mas sua obra permanece, inscrita na argila invisível da memória nacional.
Curiosidade
Poucos sabem, mas Veríssimo dizia que o humor era uma forma de filosofia prática: um modo de enfrentar a vida sem ilusões, mas sem perder a ternura. Rir, para ele, era uma maneira de sobreviver.
Referências
Museu da Literatura Brasileira, Fundação Casa de Rui Barbosa
Biblioteca Nacional do Brasil, acervo de periódicos
Revista Letras de Hoje (PUCRS)
Revista Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea (UnB)
SciELO Brasil – artigos acadêmicos sobre humor e crônica
Periódicos CAPES – estudos literários sobre Veríssimo
Arquivo Érico Veríssimo, Instituto Moreira Salles