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Luís Fernando Veríssimo: o cronista que transformou o Brasil em literatura de riso e melancolia

  • Foto do escritor: Sidney Klock
    Sidney Klock
  • há 2 minutos
  • 3 min de leitura

Na tarde de setembro de 1936, em Porto Alegre, nasceu aquele que viria a se tornar um dos mais finos intérpretes da vida brasileira. Luís Fernando Veríssimo, herdeiro do nome e da sensibilidade de Érico Veríssimo, construiu uma obra em que a ironia se faz bússola, o humor se torna método de conhecimento e a melancolia se revela companheira silenciosa. Hoje, ao nos despedirmos dele, não nos resta apenas a saudade, mas a consciência de que sua literatura permanece como espelho e memória de um país inteiro.

Veríssimo foi mais do que cronista: foi analista, professor e poeta disfarçado de humorista. Sua escrita, aparentemente leve, escondia a densidade de um sociólogo, o lirismo de um poeta e a astúcia de um filósofo cotidiano.


Velha mesa de madeira com máquina de escrever apagada, folhas e livros abertos, cadeira vazia em luz suave.
Arte: SK

A formação de um olhar


Crescer em uma casa onde os livros respiravam como seres vivos fez toda a diferença. Filho de Érico Veríssimo, Luís Fernando herdou não só o ofício, mas uma visão humanística da literatura como instrumento de compreensão social.

As décadas de 1940 a 1960 foram decisivas. Entre industrialização, urbanização e o prenúncio da ditadura, formava-se o olhar crítico que faria de Veríssimo um dos cronistas mais lúcidos da sociedade brasileira.


O cronista como analista social


Seus textos são um arquivo vivo da mentalidade brasileira. Escondidos sob a capa do humor, revelam estruturas profundas de desigualdade, poder e identidade.

Personagens como o Analista de Bagé são exemplos dessa capacidade de criar espelhos do Brasil. Com ironia gauchesca, Veríssimo falava de identidade regional, mas ao mesmo tempo decifrava dilemas universais.


A poética do humor


O humor de Veríssimo não era ornamento, era método. Sua ironia operava como instrumento de revelação. Ele começava pelo banal: uma fila, um jogo de futebol, uma conversa trivial. Aos poucos, o texto se abria em camadas até revelar o essencial, transformando o riso em reflexão.

Essa técnica da simplicidade que esconde complexidade fez de suas crônicas algo maior que o jornalismo passageiro. Tornaram-se pequenas obras-primas de filosofia cotidiana.


Testemunha de seu tempo


Durante a ditadura, sua escrita precisou se disfarçar. Alegorias e metáforas foram suas armas contra a censura, preservando memórias que poderiam ter sido silenciadas.

Suas crônicas desse período não apenas divertiam: resistiam. No subtexto, Veríssimo registrava as tensões de um Brasil sufocado, criando uma literatura que servia como memória coletiva.


O futebol como metáfora nacional


Poucos escritores compreenderam tão bem o futebol como ele. Para Veríssimo, o campo era microcosmo da sociedade: espaço de injustiças, utopias, autoritarismos e identidades.

Ao escrever sobre o esporte, o cronista mostrava que o jogo era mais que lazer: era metáfora de um país que oscila entre a glória e a tragédia.


A dimensão pedagógica


Sua obra não apenas diverte: educa. Ao falar de política, economia ou sociedade em linguagem simples, Veríssimo transformava leitores comuns em pensadores críticos.

Muitos descobriram o gosto pela leitura através de suas crônicas. Outros descobriram o gosto pela reflexão. Em ambos os casos, sua escrita funcionava como porta de entrada para mundos maiores.


A atualidade de sua obra


Mesmo em 2025, suas palavras ecoam. Questões como corrupção, autoritarismo e desigualdade seguem pulsando em suas páginas.

O que parecia comentário de ocasião se tornou diagnóstico profético. Ler Veríssimo hoje é perceber que o Brasil pouco mudou, mas também é encontrar na ironia uma forma de esperança.


Entre o efêmero e o eterno


Escrever para jornais é escrever para o instante. Mas Veríssimo soube transformar o efêmero em eterno. Suas crônicas sobreviveram ao jornal, ao tempo e às modas, porque extraíam do detalhe cotidiano verdades maiores.

Era mestre em dizer muito com pouco, em deixar no silêncio aquilo que ecoaria por gerações.


O legado: uma escola de ver o Brasil


Mais do que um escritor, Veríssimo deixou um método de observar. Sua influência se espalha em cronistas, humoristas e professores que aprenderam com ele a rir e refletir ao mesmo tempo.

Seus textos nos ensinam a rir de nossas contradições sem perder a capacidade de indignação. Um riso que liberta, mas também educa.


O escriba do riso e da melancolia


Luís Fernando Veríssimo escreveu o Brasil como quem esculpe uma memória coletiva. Seu riso era mais que leveza: era sabedoria. Sua melancolia era mais que tristeza: era lucidez.

Como um Aristófanes brasileiro, deixou-nos a lembrança de que o humor pode ser o mais sério dos instrumentos filosóficos.

Hoje nos despedimos, mas sua obra permanece, inscrita na argila invisível da memória nacional.

Curiosidade


Poucos sabem, mas Veríssimo dizia que o humor era uma forma de filosofia prática: um modo de enfrentar a vida sem ilusões, mas sem perder a ternura. Rir, para ele, era uma maneira de sobreviver.


Referências


  • Museu da Literatura Brasileira, Fundação Casa de Rui Barbosa

  • Biblioteca Nacional do Brasil, acervo de periódicos

  • Revista Letras de Hoje (PUCRS)

  • Revista Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea (UnB)

  • SciELO Brasil – artigos acadêmicos sobre humor e crônica

  • Periódicos CAPES – estudos literários sobre Veríssimo

  • Arquivo Érico Veríssimo, Instituto Moreira Salles

 
 
 
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